Autora: Dra. Fernanda Arcoverde, coordenadora da Ginecologia do Hospital São Domingos.
Ao lado de doenças como o câncer de ovário e o câncer de colo de útero, a endometriose é um dos problemas de saúde feminina mais importantes na atualidade. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) estimam que 1 em cada 10 mulheres no mundo sofre dessa condição, o equivalente a cerca de 190 milhões de pessoas.
O problema provoca vários tipos de dor, com grande impacto na qualidade de vida das pacientes. Continue a leitura para saber mais sobre essa condição, as formas de diagnóstico e os tratamentos.
Endometriose: o que é?
A endometriose é uma doença relacionada ao endométrio, o tecido que reveste a parte interna do útero e que cresce durante o ciclo menstrual ao receber estímulo dos hormônios liberados pelos ovários. Isso ocorre como uma forma de preparar o útero para receber um embrião. Se a gravidez não ocorre, o endométrio é então expelido na menstruação.
Na endometriose, o endométrio cresce fora da cavidade uterina e pode aparecer em tecidos como o peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) ou em órgãos como intestino, bexiga e ovários.
O problema é que, mesmo estando fora da cavidade uterina, o endométrio continua sofrendo influência dos hormônios ovarianos e sendo estimulado a crescer a cada novo ciclo menstrual. No entanto, ele não é expelido na menstruação e, por isso, ocorre um processo inflamatório que provoca a dor.
Tipos de endometriose
A endometriose pode ser classificada em superficial e profunda e pode acometer diversas partes do corpo. Confira:
Endometriose superficial
É quando o tecido endometrial se desenvolve no peritônio, a membrana que recobre a parede abdominal e as vísceras. A endometriose superficial pode ser assintomática ou muito dolorosa e apresentar lesões ativas ou cicatriciais.
Endometriose profunda
A endometriose profunda é assim chamada porque as células endometriais se infiltram no peritônio a uma profundidade maior do que 5 milímetros, sendo mais frequente na região de trás do útero (ligamentos uterossacros), mas podendo infiltrar-se também em outros órgãos, como o intestino e a bexiga. É o tipo mais severo da doença, podendo ser assintomática, ou causar sintomas ainda mais agressivos, além de haver uma maior complexidade no tratamento.
Endometriose intestinal
Ocorre quando o tecido endometrial cresce na superfície ou dentro de alguma parte do intestino. Em alguns casos, a endometriose intestinal faz parte da chamada endometriose do septo retovaginal, que atinge a vagina e o reto. Pacientes com esse tipo da doença podem apresentar dor ao evacuar, cólicas abdominais, alteração no hábito intestinal (diarreia ou constipação) e sangramento retal.
Endometriose no ovário
Nesse caso, a endometriose acomete um ou os dois ovários provocando o aparecimento de cistos chamados de endometriomas. Os endometriomas em geral estão associados a endometriose profunda em outros locais além dos ovários.
Endometriose de parede
É quando o endométrio está infiltrado na parede abdominal, causando nódulos palpáveis que podem causar mudanças na coloração da pele e que apresentam crescimento e dor cíclicos, coincidindo com o período menstrual. São mais frequentes próximos a cicatrizes de cirurgias prévias, mas também podem surgir mesmo em quem nunca fez nenhuma cirurgia, sendo essa última condição mais rara.
Endometriose pulmonar e diafragmática
É considerado um tipo raro de endometriose. Nesse caso, os principais sintomas são dor no ombro direito, derrame pleural sanguinolento ou tosse com secreção sanguinolenta cíclica, sempre durante o período menstrual.
Quem tem endometriose pode engravidar?
Sim, é possível engravidar mesmo tendo endometriose. No entanto, esse processo pode ser um pouco mais difícil em razão das eventuais repercussões da doença no organismo, tais como:
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Inflamação no útero, o que pode dificultar a implantação do embrião;
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Inflamação e aderências nas trompas, que obstruem o caminho do espermatozoide para o óvulo e do óvulo para o útero;
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Cistos nos ovários, que podem atrapalhar a ovulação, gerar inflamação e piorar a qualidade dos óvulos.
Cerca de 30% das mulheres com endometriose podem ter dificuldades para engravidar espontaneamente. Para essas mulheres, o tratamento cirúrgico com remoção dos focos ou as terapias de reprodução assistida são opções de tratamento para auxiliar no sucesso em engravidar.
Possíveis causas para a endometriose
As causas exatas da endometriose não são conhecidas. Mas sabe-se que é uma condição inflamatória crônica, hormônio-dependente e cíclica. Ou seja: para que o processo inflamatório ocorra, é necessário haver estímulos dos hormônios ovarianos – e isso acontece todo mês durante o ciclo menstrual.
Principais sintomas
Entre os sintomas da endometriose, estão:
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Cólica menstrual incapacitante;
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Dor pélvica crônica;
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Dor na relação sexual;
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Dor para evacuar;
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Dor para urinar;
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Dificuldade para engravidar.
Exames que podem auxiliar no diagnóstico
O diagnóstico de endometriose é suspeito principalmente a partir das queixas clínicas da paciente e do exame ginecológico conduzido pelo médico, o que pode ou não ser uma consulta de rotina.
Há ainda exames de imagem que podem auxiliar no diagnóstico da endometriose profunda, fornecendo informações sobre a localização e o tamanho das lesões. São eles:
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Ecografia transvaginal com preparo intestinal para investigar endometriose;
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Ressonância magnética de abdômen e pelve com preparo intestinal, gel retal e vaginal e contraste venoso para investigar endometriose.
Para que o diagnóstico seja mais preciso, é importante que os exames sejam realizados por um médico radiologista que tenha experiência na análise de pacientes com endometriose.
Ainda que os exames estejam normais, não é possível excluir o diagnóstico da doença, pois a forma de endometriose superficial não pode ser detectada pelos exames. Por isso, pacientes que tem sintomas muito sugestivos e apresentam exames normais também devem ser tratadas para a condição.
Formas de tratamento para a endometriose
Existem dois tipos de tratamento para a endometriose: o clínico, que pode ser feito por todas as pacientes; e o cirúrgico, recomendado em situações específicas.
Tratamento clínico
O tratamento clínico da endometriose envolve o uso contínuo de medicação hormonal (progesterona isolada ou anticoncepcional que contenha progesterona e estrogênio) para interromper a menstruação e o ciclo hormonal que estimula a endometriose. Analgésicos, anti-inflamatórios e antiespasmódicos também podem ser usados para amenizar a dor, desde que recomendados pelo médico.
O tratamento clínico também inclui a mudança de hábitos e adoção de um estilo de vida mais saudável. Isso inclui praticar atividade física com regularidade, fazer fisioterapia pélvica, ter uma alimentação balanceada e anti-inflamatória, cuidar da saúde mental e manter uma boa rotina de sono.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico da endometriose está indicado para os casos em que a paciente não tem resposta satisfatória ao tratamento clínico -- ou seja, ela continua sentindo dor e/ou apresenta comprometimento da função de algum órgão.
Nesses casos, avalia-se a possibilidade de realizar a intervenção por meio de cirurgia laparoscópica ou robótica. Ambos os procedimentos são minimamente invasivos e têm como objetivo a retirada dos focos de endometriose, com bom prognóstico de recuperação após sua realização.